Com mercado pouco atrativo e salários baixos, Bahia acaba formando mão de obra que é absorvida pelo mercado do Sul, Sudeste e até de outros estados no Nordeste, como Pernambuco, onde o setor de TI tem se desenvolvido
Em franca expansão no Brasil e no mundo, o setor das Tecnologia da Informação (TI) está ameaçado de viver um sério apagão de mão de obra este ano. É o que indica uma projeção do mercado dessa área para este ano feita pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). Enquanto isso, a Bahia vive a situação inversa: forma mais mão de obra do que o mercado local consegue absorver, gerando uma forte fuga de cérebros para estados do Sul e Sudeste.
O estudo, que se baseia em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostra que aproximadamente 44 mil vagas criadas pelas empresas de TI correm o risco de não serem preenchidas este ano. Segundo o levantamento, 78,5 mil vagas de TI serão criadas em 2014, ao passo que apenas 33,6 mil pessoas serão formadas para ocupá-las.
“Estamos falando de um setor em forte expansão, que tem crescido na faixa dos 10%”, afirmou o diretor de Recursos Humanos e Competitividade da Brasscom, Sergio Sgobbi. “Para reverter esse processo de falta de mão de obra será necessário um forte envolvimento do setor público, do setor privado e da sociedade como um todo”, acrescentou o diretor.
“O setor de TI é uma grande oportunidade para o país, porque temos gente capacitada, com diferencial, somos criativos, flexíveis, adaptáveis: tudo que um profissional de TI requer o brasileiro tem. Cabe à sociedade entender isso e fazer políticas adequadas para que o Brasil se torne um grande fornecedor de mão de obra e serviços de TI”, completou.
Segundo ele, em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, há a necessidade de profissionais em todos os níveis hierárquicos. “Em termos de quantidade, os profissionais de nível técnico são aqueles que nós mais necessitamos”, afirmou Sgobbi. “São as carreiras de entrada, como programadores, desenvolvedores, manutenção de sistemas, help desk, suporte, monitoramento de infraestrutura”.
Em termos de quantidade, os profissionais de nível técnico são os que nós mais necessitamos
Sérgio Sgobbi, diretor de RH da Brasscom
Entretanto, ele acrescenta que também há um déficit considerável em cargos de gerência, com conhecimentos aprofundados em ferramentas de gestão de projetos, por exemplo.
Em 2013, o país já viveu um apagão de profissionais de TI. Segundo o balanço da Brasscom, foram 56 mil contrações para apenas 32 mil formações, um déficit de 24 mil.
Para continuar crescendo em ritmo forte, as empresas do ramo têm se adaptado, deixando de exigir diploma de níveis técnico e superior e solicitando certificações internacionais específicas criadas pelo próprio mercado. “As empresas vão buscar qualificações específicas, como PMI e Itil, que são fornecidos por grandes empresas detentoras de tecnologia e atestam a capacidade de utilizar ferramentas de gestão de projetos, por exemplo”, explicou o diretor da Brasscom. Sgobbi lembra, no entanto, que isso não é o suficiente.
“Foi uma forma de o mercado se adaptar, mas não anula a necessidade de fazermos um esforço conjunto para formar mais mão de obra”, disse.
Além disso, muitas empresas acabam importando mão de obra de outros países. São Paulo é o estado com a situação mais crítica. Em 2013, 35,4 mil vagas foram abertas, enquanto apenas 14,4 mil foram formadas. Este ano, a previsão é que a situação piore: serão abertas 50,7 mil vagas, enquanto apenas 15 mil serão formados naquele estado.
Bahia
Com um mercado ainda frágil na área de TI, a Bahia chegou a ser considerada um dos principais polos do setor no país há cerca de duas décadas. Hoje, o estado forma mais gente do que emprega nesse setor, o que reflete o baixo número de empresas e as contratações em ritmo lento, em comparação com outros estados do país.
Segundo o estudo da Brasscom, em 2013, 711 vagas foram criadas, enquanto 1.262 mil pessoas foram formadas. Para este ano, a previsão é de que 852 contratações sejam realizadas, enquanto 1.313 pessoas serão formadas.
O resultado é que a mão de obra formada aqui acaba indo para outros estados, ou porque há poucas vagas ou por conta das enormes disparidades entre os salários pagos por empresas de TI na Bahia e no eixo Sul-Sudeste, por exemplo.
Hoje, as diferenças salariais são gritantes: enquanto um programador da área de software, por exemplo, chega a receber até R$ 15 mil em grandes empresas que atuam em São Paulo, aqui, esse salário varia entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil.
O mercado local acaba se tornando pouco atraente para os profissionais aqui formados. Até outros estados do Nordeste, como Pernambuco, por exemplo, pagam melhor e abocanham parcela da mão de obra formada na Bahia.
O estado vizinho é, inclusive, o que tem situação mais equilibrada: este ano, serão abertas 1.019 vagas, enquanto 1.075 profissionais serão formados. Aos poucos, Pernambuco tem se tornado uma referência em TI no Nordeste.
Realidade
O discurso do jovem Adelmo Alves Júnior, de 24 anos, reflete a realidade do mercado baiano. Ele se formou no final de 2011 e hoje trabalha como analista de desenvolvimento de sistemas no setor de TI de uma empresa, onde está há cinco meses.
“A Bahia é um dos piores locais para TI, porque o salário é bastante baixo. Em São Paulo, praticamente se paga o triplo para um recém-formado, em relação a uma pessoa que trabalha aqui há mais de 5 anos”, protesta.
Segundo ele, além disso, as empresas resistem em capacitar sua mão de obra e exigem qualificação alta. “Eles sempre exigem funcionários que saibam fazer de tudo. Os estagiários já têm que chegar na empresa sabendo bastante”, afirmou.
Júnior observa que as empresas também não investem nas tecnologias da informação em Salvador. “O setor de TI ainda é tido como pouco ativo nas empresas, que não percebem a importância desse setor para a organização”, diz ele, que ganha entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. “Não pagam mais que isso, diferente de São Paulo”, reclama.
Ele exalta o mercado paulista como mais atraente. “São Paulo não tem profissional qualificado, por isso buscam pagar bem os poucos profissionais qualificados”, diz. “Quem é realmente bom acaba saindo, não fica em Salvador”, acrescenta.
A mesma queixa é feita por Carlos Junior, de 25 anos, também profissional da área. Ele trabalha há 5 anos em uma empresa no Polo de Camaçari. De estagiário, virou analista de redes, passando por analista de suporte. “O salário na Bahia é baixo, a reclamação é geral”, disse ele, que ganha cerca de R$ 2 mil. Colaborou Carla Trabazo.
Bahia pretende se especializar em jogos eletrônicos
A estratégia de instituições de ensino como o Senai/Cimatec, instituição de pesquisa e aprendizagem industrial, é apostar em novas vocações para alavancar o setor de Tecnologias da Informação no estado, aproveitando a oportunidade em setores pouco desenvolvidos no Brasil. “Há um esforço, por exemplo, para tornar a Bahia um polo de jogos eletrônicos”, explicou a gerente da área de Desenvolvimento de Software do Senai/Cimatec, Ingrid Winkler.
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Segundo ela, a criatividade e a inventividade típicas dos baianos podem ser pontos de partida para tornar o estado um polo de desenvolvimento de jogos. Essa não é a única vocação em que aposta a instituição. “Por outro lado, o estado também é visto como um potencial polo de governo eletrônico”, explica Winkler. Também conhecido como e-gov, a área do governo eletrônico consiste no uso das tecnologias da informação e do conhecimento nos processos internos de governo, para aproximar governantes e cidadãos. Essa aproximação é feita para superar obstáculos da comunicação entre as duas esferas. Em meados de dezembro, empresários organizados através da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) criaram a Associação Baiana para o Desenvolvimento da Tecnologia da Informação. A criação da associação tem, justamente, o objetivo de fortalecer o setor no estado. A iniciativa envolve órgãos do governo do estado, da prefeitura de Salvador, o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), além de universidades, pesquisadores e associações empresariais relacionadas ao setor de TI. Na ocasião, as entidades reunidas lançaram o Programa de Construção de Estratégias Conjuntas para o Desenvolvimento da TI na Bahia.
Recife tem escola entre mais inovadoras do mundo
Uma escola que mistura disciplinas regulares, como Química e Física, ao ensino técnico e ao aprendizado na utilização das tecnologias da informação. Essa iniciativa, uma parceria entre o governo de Pernambuco e a telefônica Oi, rendeu à Escola Estadual Cícero Dantas, localizada em Recife, uma certificação de relevância internacional. O Núcleo Avançado em Educação (Nave), projeto educacional instalado na escola pelo Instituto de Responsabilidade Social Oi Futuro, foi reconhecido pela Microsoft como uma das 80 escolas mais inovadoras do mundo.
A certificação foi divulgada em 18 de dezembro, em Recife, com a presença do presidente da Oi, Zeinal Bava. “Para nós, a tecnologia é um meio para atingir um fim: a qualidade de vida das pessoas”, disse Bava durante cerimônia realizada no pátio da escola. Além do aporte financeiro, a Oi colabora com o fornecimento de equipamentos. Na unidade, que ganhou o título de Escola Mentora do Brasil, alunos do ensino regular utilizam ideias a partir de jogos analógicos e de tabuleiro para o desenvolvimento de jogos eletrônicos.
No primeiro ano, a formação dos alunos tem foco no aprendizado de programação e design. No segundo ano, os jovens aprendem a trabalhar com ilustração e animação em 2D. No último ano, partem para a tecnologia 3D e propriamente ao desenvolvimento dos jogos eletrônicos. Alguns dos jogos produzidos por alunos da escola, que existe desde 2006, já ganharam vários prêmios em festivais. A integração entre ensino regular e técnico faz parte da política de Educação da gestão de Eduardo Campos (PSB).
No Brasil, além do Nave, somente outra escola, no Rio de Janeiro, recebeu título semelhante. “Essa é apenas uma das 26 escolas com tempo integral e ensino médio aliado à educação profissional”, disse o secretário-executivo da educação profissional, Paulo Dutra.
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